sexta-feira, 24 de abril de 2020

Prof. Jaime Vilar, 20 anos depois

Foi em 16 de Fevereiro de 1999 que faleceu, faz agora 20 anos. Recordo-me que nessa altura vivia-se o Carvanal em Estarreja. Ficou-me gravada na memória a música que se ouvia, contrastando com o meu estado de espírito, quando saí do Hospital Visconde de Salreu, na última vez que o visitei.

O acaso de vivermos em épocas diferentes permitiu-nos apenas um breve cruzamento, ele no inverno da vida, eu na primavera da mesma. Convivemos assim apenas nos seus últimos anos de vida, meus de adolescência. Visitava-o em casa quase todas as tardes de sábado, ele já muito debilitado de saúde. Eu queria aprender e ele queria ensinar, coisas mais do domínio da etnologia que da história: costumes, tradições, histórias de vida, enfim cultura da Terra Marinhoa. Porque a saúde não lhe permitia movimentar a mão como antes, dificultando-lhe a escrita, ditava-me também textos para publicar no jornal de Pardilhó. Discutíamos aspectos da história de Pardilhó, dava-me conselhos de leitura e deu-me principalmente incentivo para continuar. Numa carta que ainda me conseguiu escrever, acompanhando um texto que queria publicar no jornal da terra, dizia: «Marco, emenda, corta, acrescenta, o que entenderes por melhor. É a escrever que se aprende a ser escritor. E tu parece ires pelo bom caminho.». Nunca fui escritor, os meus interesses afunilaram entretanto para o domínio da história, mas sempre guardei na memória a ideia, e é verdade, que se aprende a escrever escrevendo. Escritores há, e não são poucos, que renegaram os seus primeiros livros. É a prática que sempre faz com que nos aperfeiçoemos em qualquer saber.

A diferença de conhecimentos que nos separava era abissal. Eu começava a escrever uns artigos na imprensa local, pobrezinhos. Ele via em mim um rapazote que mostrava interesse pelas coisas da terra, com capacidade para se aperfeiçoar. Além de ser uma companhia frequente, no momento em que sentia o afastamento de muitos amigos (mantenho decorado, desde então, certo soneto de Camilo que me deu a conhecer), encontrou alguém novo, que podia no futuro continuar a dar atenção à nossa pequena pátria, num conhecimento que interessava a muito poucos.

Daquele tempo guardo alguns manuscritos, de correspondência pessoal que trocámos. Também algumas fotocópias de publicações cuja leitura me recomendava. Incluindo uma sua auto-biografia.

Com ele aprendi alguma coisa, numa fase muito incipiente do meu interesse pela história e cultura locais. Numa disciplina sem programa do Ministério da Educação, sem escola onde ir, sem horário escolar. Fui desta forma, talvez, o seu último aluno.

Marco Pereira
In O Jornal de Estarreja, n.º 4850, 22.2.2019, p. 2

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