(Pormenor do registo paroquial de óbitos de Salreu, 1809)
Os exércitos de Napoleão Bonaparte tentaram conquistar
Portugal em três ocasiões distintas, há cerca de dois séculos. Durante a
segunda invasão francesa, comandada pelo Marechal Soult, a cidade do Porto foi
tomada pelo inimigo, servindo de capital das forças francesas entre 29.3.1809 e
12.5.1809. A ocupação do Norte do país estendeu-se para Sul até ao rio Vouga,
ficando instalada em Albergaria-a-Nova uma divisão de cavalaria sob as ordens
do General Franceschi.
No propósito de controlar qualquer manobra inimiga, leia-se
das tropas inglesas e portuguesas, navegando na Ria de Aveiro, vários militares
franceses utilizaram a posição da Senhora do Monte, em Salreu, como ponto de
vigia da região. É provável que alguns franceses se tenham instalado durante
este período nos limites de Salreu, na Quinta dos Menezes (Casa do Santo). Os
mais diversos roubos e violências, característicos das épocas de guerra,
praticaram-se nos actuais concelhos de Estarreja e Murtosa, fugindo a maioria
da população para lugares distantes ou mantendo-se na ria dentro de barcos,
aguardando o regresso da normalidade.
A presença do exército francês provocou igualmente a morte
de dezenas de civis, principalmente nas freguesias de Salreu e Beduído. Na sua
maioria os populares foram mortos a tiro, do que deixaram testemunho escrito os
párocos da época, nos livros de registo paroquial de óbitos. Houve também casos
de particular crueldade, do que foi exemplo uma menina de sete anos afogada e
um homem com deficiência mental cortado aos bocados pelas espadas dos
franceses. No final, apenas em Salreu morreram mais de 60 pessoas, quase todas
da freguesia e no mesmo dia, 16 de Abril de 1809 (faz agora 210 anos). Uma boa
parte destas vítimas deve ter sido sepultada numa vala comum, próxima da fonte
do Picoto. Muitos salreenses de hoje encontrarão entre elas antepassados seus.
Entretanto o ataque do exército britânico e português acabou
por ditar a retirada francesa de Albergaria, na manhã de 10 de Maio de 1809,
colocando um ponto final na segunda invasão francesa, nos concelhos de
Estarreja e Murtosa.
Todavia, este momento tem que ser contextualizado na Guerra
Peninsular (1807-1813), período em que Portugal e Espanha combateram os
exércitos de Napoleão e que entre nós ficou genericamente conhecido por “invasões
francesas”. Da Guerra Peninsular chegaram aos nossos dias outras informações
respeitantes aos concelhos de Estarreja e Murtosa: conhecem-se as contribuições
para o esforço de guerra em 1808, em cavalos ou destinadas à sua compra,
destacando-se a oferta do Prior de Salreu; e houve diversos militares
portugueses, originários de ambos os concelhos, combatendo os franceses.
Inclusive o Alferes Manuel Marques Pires, que vendo-se aprisionado pelo
exército francês fez promessa de construir uma capela na sua terra, dedicada a
Nossa Senhora, caso voltasse a conhecer a liberdade. Tendo salvo a sua vida, veio
por isso a construir a capelinha particular de Nossa Senhora das Necessidades,
em 1819, que ainda se encontra próxima da escola da Póvoa de Baixo.
In
O Jornal de Estarreja, n.º 4854, 19.4.2019, p. 2
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