Embora o mais antigo documento
onde é referido o nome de Antuã respeite ao ano de 569, só a partir do século
XIII se começa a conhecer razoavelmente (ainda que com muitas limitações) o
espaço onde hoje se situam os concelhos de Estarreja e Murtosa. Nessa época a
laguna de Aveiro e terras circundantes pouco difeririam da actualidade,
faltando apenas formar parte do cordão litoral. Poucas centenas de pessoas
viveriam em habitações colmadas dispersas. Parece contudo que as terras
alagadiças do Sul marinhão e do Sul do Antuã atraíam um crescente número de
colonos, com a vantagem das boas acessibilidades proporcionadas pela foz do
Vouga.
Onde hoje estão Estarreja e
Murtosa existia uma manta de retalhos de poderes e possuidores de terras. Os
dois principais espaços integravam-se no julgado de Antuã (que D. Afonso III
coutou e entregou em 1257 ao Mosteiro de Arouca) e no julgado de Figueiredo do
Rei (Santiais, parte de Salreu, Canelas e Fermelã). Eram poderes menos
significativos o do julgado da Feira (do Rei, a Norte de Avanca), do julgado de
Pardelhas (que se autonomizou da Feira e cujas terras pertenciam ao Mosteiro de
Vila Cova), e do julgado de Cabanões (que se estendia para Sul pela Gelfa).
Diversos concelhos rurais foram surgindo (Antuã, Fermelã, Veiros e Pardelhas),
parte deles efémeros.
Na posse das terras
encontravam-se, além do Rei, duas honras (a de Canelas, abrangendo Fermelã, e a
do Roxico), o couto de Antuã (do Mosteiro de Arouca), vários casais de
mosteiros (Grijó, Santa Cruz de Coimbra, Pedroso, Paço de Sousa, Vila Cova de
Sandim, e Cedofeita), bens alodiais de herdadores (em Santiais, Canelas e
Fermelã) e três póvoas (Veiros, do Carvalhal em Santiais e Ameal em Salreu). A
contratualização da exploração das terras era titulada por aforamentos, boa
parte dos quais colectivos, fomentando a adesão de novos povoadores. Pagava-se
a título de renda, nos mais dos casos, a quarta ou a quinta parte da produção
(pão, vinho e linho), e em casos mais raros e tardios a sexta ou a oitava
parte. Os arroteamentos contavam-se também entre as terras de renda mais baixa,
tendo em vista a expansão do espaço cultivado. Á renda parciária acrescia uma
renda acessória, composta por pequenas quantidades certas de bens, designadas
por direituras. Diferentes sectores compunham a economia local, que incluía a
agricultura, a pecuária, a caça, a pesca e a salicultura.
Em paralelo existia o poder
secular da Igreja, representado pelas dioceses do Porto e de Coimbra, que
estabeleceram em definitivo a sua fronteira no curso do rio Antuã. A Norte
estavam as extensas paróquias de Avanca e Beduído, e a Sul as de Salreu e
Fermelã. O direito de padroado destas igrejas, com elevado interesse material,
foi sendo avocado pelo Rei, que depois o redistribuiu.
Boa parte destas realidades
constituíram-se no século XIII e duraram por séculos, nalguns casos até às
reformas liberais do século XIX.
In O Jornal de Estarreja, n.º 4728, 9.1.2015, p. 12
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