quarta-feira, 29 de junho de 2016

Os concelhos de Estarreja e Murtosa no século XIII


Embora o mais antigo documento onde é referido o nome de Antuã respeite ao ano de 569, só a partir do século XIII se começa a conhecer razoavelmente (ainda que com muitas limitações) o espaço onde hoje se situam os concelhos de Estarreja e Murtosa. Nessa época a laguna de Aveiro e terras circundantes pouco difeririam da actualidade, faltando apenas formar parte do cordão litoral. Poucas centenas de pessoas viveriam em habitações colmadas dispersas. Parece contudo que as terras alagadiças do Sul marinhão e do Sul do Antuã atraíam um crescente número de colonos, com a vantagem das boas acessibilidades proporcionadas pela foz do Vouga.

Onde hoje estão Estarreja e Murtosa existia uma manta de retalhos de poderes e possuidores de terras. Os dois principais espaços integravam-se no julgado de Antuã (que D. Afonso III coutou e entregou em 1257 ao Mosteiro de Arouca) e no julgado de Figueiredo do Rei (Santiais, parte de Salreu, Canelas e Fermelã). Eram poderes menos significativos o do julgado da Feira (do Rei, a Norte de Avanca), do julgado de Pardelhas (que se autonomizou da Feira e cujas terras pertenciam ao Mosteiro de Vila Cova), e do julgado de Cabanões (que se estendia para Sul pela Gelfa). Diversos concelhos rurais foram surgindo (Antuã, Fermelã, Veiros e Pardelhas), parte deles efémeros.

Na posse das terras encontravam-se, além do Rei, duas honras (a de Canelas, abrangendo Fermelã, e a do Roxico), o couto de Antuã (do Mosteiro de Arouca), vários casais de mosteiros (Grijó, Santa Cruz de Coimbra, Pedroso, Paço de Sousa, Vila Cova de Sandim, e Cedofeita), bens alodiais de herdadores (em Santiais, Canelas e Fermelã) e três póvoas (Veiros, do Carvalhal em Santiais e Ameal em Salreu). A contratualização da exploração das terras era titulada por aforamentos, boa parte dos quais colectivos, fomentando a adesão de novos povoadores. Pagava-se a título de renda, nos mais dos casos, a quarta ou a quinta parte da produção (pão, vinho e linho), e em casos mais raros e tardios a sexta ou a oitava parte. Os arroteamentos contavam-se também entre as terras de renda mais baixa, tendo em vista a expansão do espaço cultivado. Á renda parciária acrescia uma renda acessória, composta por pequenas quantidades certas de bens, designadas por direituras. Diferentes sectores compunham a economia local, que incluía a agricultura, a pecuária, a caça, a pesca e a salicultura.

Em paralelo existia o poder secular da Igreja, representado pelas dioceses do Porto e de Coimbra, que estabeleceram em definitivo a sua fronteira no curso do rio Antuã. A Norte estavam as extensas paróquias de Avanca e Beduído, e a Sul as de Salreu e Fermelã. O direito de padroado destas igrejas, com elevado interesse material, foi sendo avocado pelo Rei, que depois o redistribuiu.

Boa parte destas realidades constituíram-se no século XIII e duraram por séculos, nalguns casos até às reformas liberais do século XIX.


In O Jornal de Estarreja, n.º 4728, 9.1.2015, p. 12

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