domingo, 2 de março de 2014

150 anos de caminho-de-ferro em Estarreja

A construção e abertura da Linha do Norte do caminho-de-ferro decorreu por fases. Inaugurou-se o serviço regular de comboios, entre Devezas (Gaia) e Estarreja, em 8.6.1863, com abertura provisória em 19.11.1862. A ligação para sul, entre Estarreja e Taveiro, abriu oficialmente em 10.4.1864. E o antigo edifício da estação de Estarreja foi inaugurado dias antes, em 4.4.1864, tendo obras significativas no início do século XX.

Igualmente no início do século XX juntavam-se no pequeno largo da estação carruagens de aluguer puxadas por cavalos, para serviço local articulado com as partidas e chegadas dos comboios. Além delas partiam nessa altura duas diligências diárias para Viseu e S. Pedro do Sul, servindo Albergaria-a-Velha, Pecegueiro, Oliveira de Frades e Vouzela. Assim se ligava parte da Beira Alta com o caminho-de-ferro e, por via dele, com os grandes centros urbanos do país. Aliás a estação de Estarreja esteve inicialmente projectada não para a sede do concelho mas para a freguesia de Salreu, pretendendo facilitar a ligação por estrada para Viseu e outros locais do interior. Tão importante via de comunicação haveria também de ter um papel significativo na chamada Monarquia do Norte, ou Traulitânia, conflito militar que em 1919 opôs monárquicos e republicanos, com um importante centro de operações monárquico e batalha determinante em Estarreja.

Nesta estação se expediam diversos bens produzidos em concelhos vizinhos. Durante a segunda metade do século XIX as mercadorias eram em Estarreja baldeadas directamente dos barcos para os vagões, e vice-versa, por o esteiro ligar nessa época directamente à estação. Transportava-se então gado bovino para abastecer Lisboa e mais tarde, por volta de 1916, os hospitais e ruas da capital começavam a ser abastecidos de leite que ia de comboio a partir de Estarreja. No início do século XX várias fábricas de concelhos vizinhos expediam aqui as suas mercadorias: papel, vidro, minério, tecidos, manteiga, e enfim ovos, galinhas e gado. Ao longo do século XX continuou o sal de Aveiro a ser carregado do esteiro de Estarreja para os vagões dos comboios, o que em Aveiro não era possível por não haver ligação fluvial à estação. Do mesmo modo a sardinha do mar próximo era, há um século, distribuída localmente e para o norte do país pelo caminho-de-ferro. Parte da importância económica da estação de Estarreja acabou perdida em favor da linha do Vale-do-Vouga. Mas o passar do caminho-de-ferro no concelho seria determinante para a instalação da indústria química a partir da década de 1940, que tirou partido deste meio de transporte com ligação directa ao mesmo.


Os pontos de acesso ao comboio multiplicaram-se cedo. Primeiro foi Avanca que acolheu um apeadeiro (1887), servindo várias freguesias vizinhas. Em 1913 teve uma primeira promoção a estação (sem efeitos práticos) e construiu-se um pequeno edifício cerca de 1915-1916, com dinheiro do povo de Avanca, Pardilhó e emigrantes no Brasil. Data de 1929 o edifício actual, com um interessante revestimento de azulejos aveirenses da mesma data, que mostram paisagens e pessoas de Avanca e Pardilhó. Em 1931 veio a promoção definitiva a estação. Egas Moniz acabou por reconstruir a casa dos seus antepassados próxima à estação de Avanca, para aí transferindo a sua residência local, ficando mais próximo do comboio que o ligava à vida profissional e política em Lisboa.

Depois de Avanca, constituíram-se apeadeiros em Canelas (1902), Salreu (1911) e mais recentemente em Samoqueiro (este destinado à indústria química). No início do século XX pensou-se em várias ocasiões estabelecer uma linha marinhoa até à Bestida, que não chegou a ser concretizada. Já antes, na década de 1880, havia funcionado na Torreira uma pequena linha entre o mar e a ria, onde se transportava o peixe a tracção animal.

A pequena vila de Estarreja do início do século XX ganhou um ar mais urbano e vida comercial quando, entre 1925 e 1926, se rasgou uma nova avenida (actual Avenida Visconde de Salreu), ligando a estação do caminho-de-ferro à actual Praça Francisco Barbosa, o centro político e comercial do concelho. Esta nova e larga avenida (mas de traçado irregular e discutido no seu tempo), construída no contexto de crise do final da Primeira República, contrastava com as modestas vias à época existentes no meio. Nela se viriam a estabelecer diversos espaços comerciais, e mesmo industriais, transformando a “avenida da estação” na “baixa” comercial do concelho. E ainda acolheu alguns exemplos tardios de casas estilo Arte Nova, colocando Estarreja na lista de locais de visita obrigatória, para os aficionados deste género artístico.

Merecem referência outros progressos na Linha do Norte, como a construção da segunda via em 1905, e a electrificação da linha entre 1964 e 1965. Na sequência das obras dos últimos anos nos caminhos-de-ferro, a antiga casa da estação de Estarreja acabou por ser demolida em 5.3.2005, dando lugar ao edifício actual de estética discutida.
 
In O Jornal de Estarreja, n.º 4660, 14.6.2013, p. 3

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