A construção e abertura da Linha do Norte do
caminho-de-ferro decorreu por fases. Inaugurou-se o serviço regular de
comboios, entre Devezas (Gaia) e Estarreja, em 8.6.1863, com abertura
provisória em 19.11.1862. A ligação para sul, entre Estarreja e Taveiro, abriu
oficialmente em 10.4.1864. E o antigo edifício da estação de Estarreja foi
inaugurado dias antes, em 4.4.1864, tendo obras significativas no início do
século XX.
Igualmente no início do século XX juntavam-se no pequeno
largo da estação carruagens de aluguer puxadas por cavalos, para serviço local
articulado com as partidas e chegadas dos comboios. Além delas partiam nessa
altura duas diligências diárias para Viseu e S. Pedro do Sul, servindo
Albergaria-a-Velha, Pecegueiro, Oliveira de Frades e Vouzela. Assim se ligava
parte da Beira Alta com o caminho-de-ferro e, por via dele, com os grandes
centros urbanos do país. Aliás a estação de Estarreja esteve inicialmente projectada
não para a sede do concelho mas para a freguesia de Salreu, pretendendo
facilitar a ligação por estrada para Viseu e outros locais do interior. Tão
importante via de comunicação haveria também de ter um papel significativo na
chamada Monarquia do Norte, ou Traulitânia, conflito militar que em
1919 opôs monárquicos e republicanos, com um importante centro de operações
monárquico e batalha determinante em Estarreja.
Nesta estação se expediam diversos bens produzidos em
concelhos vizinhos. Durante a segunda metade do século XIX as mercadorias eram
em Estarreja baldeadas directamente dos barcos para os vagões, e vice-versa,
por o esteiro ligar nessa época directamente à estação. Transportava-se então
gado bovino para abastecer Lisboa e mais tarde, por volta de 1916, os hospitais
e ruas da capital começavam a ser abastecidos de leite que ia de comboio a
partir de Estarreja. No início do século XX várias fábricas de concelhos
vizinhos expediam aqui as suas mercadorias: papel, vidro, minério, tecidos, manteiga,
e enfim ovos, galinhas e gado. Ao longo do século XX continuou o sal de Aveiro
a ser carregado do esteiro de Estarreja para os vagões dos comboios, o que em
Aveiro não era possível por não haver ligação fluvial à estação. Do mesmo modo
a sardinha do mar próximo era, há um século, distribuída localmente e para o
norte do país pelo caminho-de-ferro. Parte da importância económica da estação
de Estarreja acabou perdida em favor da linha do Vale-do-Vouga. Mas o passar do
caminho-de-ferro no concelho seria determinante para a instalação da indústria
química a partir da década de 1940, que tirou partido deste meio de transporte
com ligação directa ao mesmo.
Os pontos de acesso ao comboio multiplicaram-se cedo.
Primeiro foi Avanca que acolheu um apeadeiro (1887), servindo várias freguesias
vizinhas. Em 1913 teve uma primeira promoção a estação (sem efeitos práticos) e
construiu-se um pequeno edifício cerca de 1915-1916, com dinheiro do povo de
Avanca, Pardilhó e emigrantes no Brasil. Data de 1929 o edifício actual, com um
interessante revestimento de azulejos aveirenses da mesma data, que mostram
paisagens e pessoas de Avanca e Pardilhó. Em 1931 veio a promoção definitiva a
estação. Egas Moniz acabou por reconstruir a casa dos seus antepassados próxima
à estação de Avanca, para aí transferindo a sua residência local, ficando mais
próximo do comboio que o ligava à vida profissional e política em Lisboa.
Depois de Avanca, constituíram-se apeadeiros em Canelas
(1902), Salreu (1911) e mais recentemente em Samoqueiro (este destinado à
indústria química). No início do século XX pensou-se em várias ocasiões
estabelecer uma linha marinhoa até à Bestida, que não chegou a ser
concretizada. Já antes, na década de 1880, havia funcionado na Torreira uma
pequena linha entre o mar e a ria, onde se transportava o peixe a tracção animal.
A pequena vila de Estarreja do início do século XX ganhou um
ar mais urbano e vida comercial quando, entre 1925 e 1926, se rasgou uma nova
avenida (actual Avenida Visconde de Salreu), ligando a estação do
caminho-de-ferro à actual Praça Francisco Barbosa, o centro político e
comercial do concelho. Esta nova e larga avenida (mas de traçado irregular e
discutido no seu tempo), construída no contexto de crise do final da Primeira
República, contrastava com as modestas vias à época existentes no meio. Nela se
viriam a estabelecer diversos espaços comerciais, e mesmo industriais,
transformando a “avenida da estação” na “baixa” comercial do concelho. E ainda
acolheu alguns exemplos tardios de casas estilo Arte Nova, colocando Estarreja
na lista de locais de visita obrigatória, para os aficionados deste género
artístico.
Merecem referência outros progressos na Linha do Norte, como
a construção da segunda via em 1905, e a electrificação da linha entre 1964 e
1965. Na sequência das obras dos últimos anos nos caminhos-de-ferro, a antiga
casa da estação de Estarreja acabou por ser demolida em 5.3.2005, dando lugar
ao edifício actual de estética discutida.
In O Jornal de Estarreja, n.º 4660, 14.6.2013, p. 3
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