Origem. – Por cima da porta principal da
capela de Nossa Senhora do Monte encontra-se a data de 1687, que corresponderá
aproximadamente à sua conclusão[1], pelo
que é poucos anos posterior à igreja da freguesia. No entanto o edifício actual
é uma reconstrução de outro mais antigo com a mesma invocação[2], não
só porque o “Santuário Mariano” o supõe muito antigo poucos anos mais tarde
(1712), mas também por se encontrar documentado desde 19.3.1645[3]. É
mais do que provável que a edificação primitiva tivesse assentado sobre algum
santuário pagão[4],
pois assim o indicia a proximidade de diversos castros e mamoas, a localização
geográfica privilegiada no alto do monte, e a situação de proximidade a uma
muito antiga e importante povoação – Antuã.
Árvores. – Que a capela sempre foi rodeada de
árvores não restam dúvidas. Em 1712 afirma-se rodeada de oliveiras[5].
Apesar de incompreensíveis dúvidas em pleno século XX[6], é
apenas de sobreiros seculares que há memória[7], os
quais terão chegado aos inícios da década de 1940[8]. Por
causa das suas árvores a Senhora do Monte era antigamente chamada, pelos
romeiros de Aveiro e outras terras, de «Nossa
Senhora das Pêras» ou «Nossa Senhora
dos Sobreiros»[9].
Breve Pontifício. – Terá existido um Breve de Clemente
XI (Papa de 1700 a
1721), que concedia indulgência a quem visitasse a capela por alturas de 15 de
Agosto, entre outras situações[10].
Posteriormente Pio VI outorgou novo Breve, datado de 17.3.1797 e concedendo do
mesmo modo indulgência, para quem visitasse o templo a 15 de Agosto e nove dias
anteriores[11].
Romaria. – Edifício e a festa, de grande
relevo regional, superam a importância da igreja e da respectiva celebração de
S. Martinho. Já em 1721 era o templo muito frequentado durante o ano aos
sábados, por a santa ter fama de milagreira. A romaria que se faz a 15 de
Agosto, nesse ano considerada grande, é a única existente em Salreu em 1758, e
continuou até ao século XX como a maior da região[12],
havida ao lado do S. Paio da Torreira como exemplo das raras que souberam
manter as características tradicionais[13].
No início do
século XVIII os romeiros acorriam a 15 de Agosto de lugares vizinhos, incluindo
os que de Aveiro vinham de barco[14].
Esta tradição persistiu no tempo, pois em notícias das primeiras décadas do
século XX se fala da vinda de muitas pessoas de Aveiro[15], ou
«de Aveiro, Ílhavo, Verdemilho e
arredores e outras povoações»[16],
sendo que nos finais da década de 1930 tal afluência estava a esmorecer[17].
Vista. – Não se pode visitar a Senhora do
Monte sem se ficar encantado com a vista que o lugar proporciona para o poente,
sobre as terras baixas da região e a ria, além do centro urbano de Estarreja.
Por tal razão o local é considerado o sítio pitoresco por excelência da região,
em diversas publicações dos séculos XIX e XX[18],
falando-se mesmo de «vista encantadora
sobre os arrozais»[19].
Houve até quem dissesse que a Senhora do Monte servia de referência a quem
navega na ria e aos pescadores do mar[20].
Guerra. – Não admira pois que o lugar tenha
sido escolhido como posição estratégica em momentos de guerra. Assim foi
durante as invasões francesas, quando em 1809 terá servido de ponto de vigia do
exército francês sobre a região, em especial movimentos do exército anglo-luso
na Ria[21].
Cento e dez anos mais tarde, em 1919,
a artilharia republicana estacionada junto da capela, e
a resistência monárquica barricada na Câmara de Estarreja, travaram uma das
principais batalhas da chamada Monarquia
do Norte, ou Traulitânia[22].
Restauros. – Ao longo da sua existência o
edifício foi alvo de diversos restauros e alterações. Ainda no século XVIII
ter-se-á construído a torre sineira, substituindo outra anterior sobre a empena
posterior, e conjectura-se a edificação no século XIX do corpo da sacristia,
conjuntamente com o alteamento da torre sineira[23].
Durante o século XX há notícia de várias reparações e beneficiações, pelo menos
nos anos de 1962, 1963, 1978, 1982, com o salão anexo inaugurado em 1978 e
havendo a assinalar a irmandade fundada por volta de 1957[24]. Sob
a orientação do Arq. Cravo Manuel Calixto, de Aveiro, a Comissão Fabriqueira
promoveu entre 1988 e 1990 um restauro geral, que incluiu coberturas, fachadas
e interiores[25].
Arte. – O templo constitui-se
interiormente de um altar principal e dois laterais (S. João Baptista e S.
José), de talha dourada barroca. A escultura da titular hoje existente não é a
original, que terá desaparecido cerca de 1927[26] ou
foi vendida[27].
Parece que era de calcário[28],
embora alguns autores mais antigos a digam de mármore[29]. A
actual é obra mais recente[30] e
foi adquirida cerca de 1921[31]. Com
tectos em madeira, «a fachada principal
está revestida por azulejos de tapete em azul e amarelo e três painéis
representando Nossa Senhora com o Menino, S. José com o Menino e S. João
Baptista. Na fachada posterior, a empena é cortada horizontalmente para
acomodação da antiga sineira substituída posteriormente por torre quadrada
localizada à esquerda na fachada principal»[32].
BIBLIOGRAFIA:
ANTT,
Memórias paroquiais, vol. 33, nº 28, pp. 181 a 184 (Memória Paroquial de 1758, também
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[1] Capela pública, que a Memória
Paroquial de 1721 diz moderna e feita pelo povo, e o “Santuário Mariano” (1712)
confirma ser anexa ao priorado de Salreu.
[2] Opinião com a qual concordam vários
autores, como João Gonçalves Gaspar (p.p. 528-529), Manuel Oliveira (pp. 8-9),
Domingos Rebelo (p. 170), e o Anuário Comercial de Portugal, 1960, II, p. 945.
[3] AUC III-1.ªD-13-4-11, fl. 280 v.;
Manuel Oliveira (p. 8) escreve mesmo que documentos paroquias já referem a
capela em 1638, assim como a sua confraria, informação que ainda não nos foi
possível confirmar. A confraria continua mencionada em 1712 no “Santuário
Mariano”, na Memória Paroquial de 1721, e mais tarde em Pinho Leal e deste na
enciclopédia “Portugal”.
[4] Já Manuel Oliveira (pp. 8-9)
levantou essa hipótese, notando ter existido ocupação pré-romana na área.
[5] Assim o diz o “Santuário Mariano”.
Ainda o afirma Pinho Leal, seguido pela enciclopédia “Portugal”, mas possivelmente
recorrendo àquela fonte antiga e sem observação directa.
[6] Afirma-se em 1925 que na Senhora do
Monte houve Sobreiros ou Carvalhos ou Oliveiras «que ainda conheci» (O Povo de Estarreja, n.º 32, 8.2.1925, p. 2).
[7] Dizem os mais velhos e confirma-o “O
Jornal de Estarreja”, n.º 2663, 25.5.1943, p. 2.
[8] Ou em tempos cortados pela Junta de
Freguesia (O Jornal de Estarreja, 2738, 10.7.1946, p. 2), que é a hipótese mais
provável, ou destruídos por um ciclone em 1941 (Manuel Oliveira, p. 12).
[9] Manuel Oliveira, p. 12.
[10] Menciona-o a Memória Paroquial de
1721, e Manuel Oliveira repete-o (pp. 9-11).
[11] Dele dão notícia João Gonçalves
Gaspar (pp. 528-529), Manuel Oliveira (pp. 9-11), e o Anuário Comercial de
Portugal, 1960, II, p. 945, que chama a esta indulgência de «desobriga da Senhora do Monte». O Pe.
Figueira publicou a sua tradução em “O Jornal de Estarreja”, n.º 2620,
24.8.1941, p. 1.
[12] Pinho Leal e a enciclopédia “Portugal”
dizem ser a romaria no dia da Assunção muito concorrida, notando as visitas à
capela durante o ano. Também Américo Costa alude à romaria, que dentro do
concelho de Estarreja é a única a merecer referência em diversos Anuários do
séc. XX (Anuário Comercial de Portugal, 1920, III, p. 2474; 1930, II, pp. 2714
e 2718; 1939, II, p. 3652; 1950, II, p. 2646; 1960, II, p. 945; 1966, p. 1069;
Anuário Geral de Portugal, 1977, p. 456; Grande Anuário de Portugal –
Ilustrado, 1944-1945, p. 1373).
[13] Maria Lamas, “As mulheres do meu
país”, p. 191.
[14] Assim o afirma o “Santuário
Mariano”, em 1712.
[15] Fala-se de muitos romeiros de Aveiro
(O Povo da Murtosa, n.º 160, 22.8.1908, p. 2), romeiros de Aveiro (O Povo da
Murtosa, n.º 212, 21.8.1909, p. 2), ou que costumam vir centenas de pessoas de
Aveiro (O Jornal de Estarreja, n.º 2257, 9.8.1931, p. 3).
[16] O Futuro de Estarreja, n.º 60,
31.7.1913, p. 2.
[17] O Jornal de Estarreja, n.º 2524,
20.8.1938, p. 3.
[18] Anuário Comercial de Portugal, 1920,
III, p. 2474; 1930, II, pp. 2714 e 2718; 1939, II, p. 3652; 1950, II, p. 2646;
1960, II, p. 945; 1966, p. 1069; Anuário Geral de Portugal, 1977, p. 456;
Grande Anuário de Portugal – Ilustrado, 1944-1945, p. 1373; antes em Pinho Leal
e no “Portugal”.
[19] Guia de Portugal, p. 563.
[20] Américo Costa.
[21] Terras de Antuã, III, 2009.
[22] Terras de Antuã, II, 2008.
[23]
DGEMN – http://www.monumentos.pt/
[24] Manuel
de Oliveira, “Capela de Nossa Senhora do Monte – Salreu”, 1988, p. 11; aludem a
algumas destas obras João Gonçalves Gaspar (p. 554 – obras profundas em
1962-1963) e A. Nogueira Gonçalves.
[25] Manuel
Oliveira (p. 5); DGEMN – http://www.monumentos.pt/; lápide evocativa das obras
1988-1990 no interior do edifício.
[26] João
Gonçalves Gaspar, pp. 528-529.
[27] A.
Nogueira Gonçalves.
[28] A.
Nogueira Gonçalves; Manuel Oliveira (p. 9).
[29] Pinho
Leal (e com altura de um metro); enciclopédia “Portugal”; João Gonçalves
Gaspar.
[30] João
Gonçalves Gaspar, pp. 528-529; A. Nogueira Gonçalves
[31] Manuel
Oliveira, p. 9.
[32] DGEMN
– http://www.monumentos.pt/
In Salreu - Património Construído, Junta de Freguesia de Salreu, 2009, pp. 10-14
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