sábado, 8 de junho de 2013

Capela de Nossa Senhora do Monte (Salreu, 1645; 1687)


Origem. – Por cima da porta principal da capela de Nossa Senhora do Monte encontra-se a data de 1687, que corresponderá aproximadamente à sua conclusão[1], pelo que é poucos anos posterior à igreja da freguesia. No entanto o edifício actual é uma reconstrução de outro mais antigo com a mesma invocação[2], não só porque o “Santuário Mariano” o supõe muito antigo poucos anos mais tarde (1712), mas também por se encontrar documentado desde 19.3.1645[3]. É mais do que provável que a edificação primitiva tivesse assentado sobre algum santuário pagão[4], pois assim o indicia a proximidade de diversos castros e mamoas, a localização geográfica privilegiada no alto do monte, e a situação de proximidade a uma muito antiga e importante povoação – Antuã.


Árvores. – Que a capela sempre foi rodeada de árvores não restam dúvidas. Em 1712 afirma-se rodeada de oliveiras[5]. Apesar de incompreensíveis dúvidas em pleno século XX[6], é apenas de sobreiros seculares que há memória[7], os quais terão chegado aos inícios da década de 1940[8]. Por causa das suas árvores a Senhora do Monte era antigamente chamada, pelos romeiros de Aveiro e outras terras, de «Nossa Senhora das Pêras» ou «Nossa Senhora dos Sobreiros»[9].


Breve Pontifício. – Terá existido um Breve de Clemente XI (Papa de 1700 a 1721), que concedia indulgência a quem visitasse a capela por alturas de 15 de Agosto, entre outras situações[10]. Posteriormente Pio VI outorgou novo Breve, datado de 17.3.1797 e concedendo do mesmo modo indulgência, para quem visitasse o templo a 15 de Agosto e nove dias anteriores[11].


Romaria. – Edifício e a festa, de grande relevo regional, superam a importância da igreja e da respectiva celebração de S. Martinho. Já em 1721 era o templo muito frequentado durante o ano aos sábados, por a santa ter fama de milagreira. A romaria que se faz a 15 de Agosto, nesse ano considerada grande, é a única existente em Salreu em 1758, e continuou até ao século XX como a maior da região[12], havida ao lado do S. Paio da Torreira como exemplo das raras que souberam manter as características tradicionais[13].


No início do século XVIII os romeiros acorriam a 15 de Agosto de lugares vizinhos, incluindo os que de Aveiro vinham de barco[14]. Esta tradição persistiu no tempo, pois em notícias das primeiras décadas do século XX se fala da vinda de muitas pessoas de Aveiro[15], ou «de Aveiro, Ílhavo, Verdemilho e arredores e outras povoações»[16], sendo que nos finais da década de 1930 tal afluência estava a esmorecer[17].




Vista. – Não se pode visitar a Senhora do Monte sem se ficar encantado com a vista que o lugar proporciona para o poente, sobre as terras baixas da região e a ria, além do centro urbano de Estarreja. Por tal razão o local é considerado o sítio pitoresco por excelência da região, em diversas publicações dos séculos XIX e XX[18], falando-se mesmo de «vista encantadora sobre os arrozais»[19]. Houve até quem dissesse que a Senhora do Monte servia de referência a quem navega na ria e aos pescadores do mar[20].


Guerra. – Não admira pois que o lugar tenha sido escolhido como posição estratégica em momentos de guerra. Assim foi durante as invasões francesas, quando em 1809 terá servido de ponto de vigia do exército francês sobre a região, em especial movimentos do exército anglo-luso na Ria[21]. Cento e dez anos mais tarde, em 1919, a artilharia republicana estacionada junto da capela, e a resistência monárquica barricada na Câmara de Estarreja, travaram uma das principais batalhas da chamada Monarquia do Norte, ou Traulitânia[22].




Restauros. – Ao longo da sua existência o edifício foi alvo de diversos restauros e alterações. Ainda no século XVIII ter-se-á construído a torre sineira, substituindo outra anterior sobre a empena posterior, e conjectura-se a edificação no século XIX do corpo da sacristia, conjuntamente com o alteamento da torre sineira[23]. Durante o século XX há notícia de várias reparações e beneficiações, pelo menos nos anos de 1962, 1963, 1978, 1982, com o salão anexo inaugurado em 1978 e havendo a assinalar a irmandade fundada por volta de 1957[24]. Sob a orientação do Arq. Cravo Manuel Calixto, de Aveiro, a Comissão Fabriqueira promoveu entre 1988 e 1990 um restauro geral, que incluiu coberturas, fachadas e interiores[25].


Arte. – O templo constitui-se interiormente de um altar principal e dois laterais (S. João Baptista e S. José), de talha dourada barroca. A escultura da titular hoje existente não é a original, que terá desaparecido cerca de 1927[26] ou foi vendida[27]. Parece que era de calcário[28], embora alguns autores mais antigos a digam de mármore[29]. A actual é obra mais recente[30] e foi adquirida cerca de 1921[31]. Com tectos em madeira, «a fachada principal está revestida por azulejos de tapete em azul e amarelo e três painéis representando Nossa Senhora com o Menino, S. José com o Menino e S. João Baptista. Na fachada posterior, a empena é cortada horizontalmente para acomodação da antiga sineira substituída posteriormente por torre quadrada localizada à esquerda na fachada principal»[32].




BIBLIOGRAFIA:

ANTT, Memórias paroquiais, vol. 33, nº 28, pp. 181 a 184 (Memória Paroquial de 1758, também publicada em O Jornal de Estarreja, n.º 2931, 25.8.1954, p. 1)
AUC, Informações Paroquiais de 1721, Salreu (também publicado em O Jornal de Estarreja, n.º 3217, 25.7.1966, p. 3)
AUC, III-1.ªD-13-4-11, fl. 280 v.
COSTA, Américo, “Diccionario Chorographico de Portugal Continental e Insular”, VI, 1938, p. 359; XI, 1948, p. 519
GASPAR, Mons. João Gonçalves, “A Diocese de Aveiro – subsídios para a sua história”, 1964, pp. 528-529, 532, 554
GIL, Júlio, e Nuno Calvet, “Nossa Senhora de Portugal, Santuários Marianos”, 2003, pp. 40-41
GONÇALVES, A. Nogueira, “Inventário artístico de Portugal. Distrito de Aveiro – zona norte”, X, 1981, p. 31 e LVI-LVII
LAMAS, Maria, “As mulheres do meu país”, 2002, (1.ª ed., 1948), p. 191
OLIVEIRA, Manuel Augusto Marques , “Capela de Nossa Senhora do Monte – Salreu”, 1988
PEREIRA, Esteves, e Guilherme Rodrigues, “Portugal”, VI, 1912, p. 506
PEREIRA, Marco, “Monarquia do Norte [ou Traulitânia] – Ocupação monárquica de Estarreja (24.1.1919-11.2.1919)”, Terras de Antuã, II, 2008, pp. 81-102
PEREIRA, Marco, “Invasões francesas nos concelhos de Estarreja e Murtosa”, Terras de Antuã, III, 2009
PINHO LEAL, Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de, “Portugal Antigo e Moderno”, VIII, 1878, p. 346
REBELO, Domingos, “O culto a Maria na diocese de Aveiro”, 1989, pp. 169-170 (foto na p. 169)
SANT’ANNA DIONÍSIO (coord.), “Guia de Portugal”, vol. 3, tomo 1, 1993 (3.ª ed.), pp. 545 e 563
SANTA MARIA, Fr. Agostinho de, “Santuário Mariano…”, IV, 1712, p. 408
Anuário Comercial de Portugal, 1920, III, p. 2474; 1930, II, pp. 2714 e 2718; 1939, II, p. 3652; 1950, II, p. 2646; 1960, II, p. 945; 1966, p. 1069
Anuário Geral de Portugal, 1977, p. 456
Grande Anuário de Portugal – Ilustrado, 1944-1945, p. 1373
Mala da Europa, 1.12.1901, p. 3; 28.6.1903, p. 2
O Jornal de Estarreja, n.º 2257, 9.8.1931, p. 3; n.º 2524, 20.8.1938, p. 3; n.º 2620, 24.8.1941, p. 1; n.º 2663, 25.5.1943, p. 2; n.º 2738, 10.7.1946, p. 2
O Futuro de Estarreja, n.º 60, 31.7.1913, p. 2
O Povo de Estarreja, n.º 32, 8.2.1925, p. 2
O Povo da Murtosa, n.º 160, 22.8.1908, p. 2; n.º 212, 21.8.1909, p. 2
DORDIO, Paulo, “Capela da Senhora do Monte”, 1997 (actualização de Cecília Matias, 2007), in Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais (DGEMN) – http://www.monumentos.pt/ [consultado em: 11.12.2005; 10.9.2007; 30.4.2009]




[1] Capela pública, que a Memória Paroquial de 1721 diz moderna e feita pelo povo, e o “Santuário Mariano” (1712) confirma ser anexa ao priorado de Salreu.
[2] Opinião com a qual concordam vários autores, como João Gonçalves Gaspar (p.p. 528-529), Manuel Oliveira (pp. 8-9), Domingos Rebelo (p. 170), e o Anuário Comercial de Portugal, 1960, II, p. 945.
[3] AUC III-1.ªD-13-4-11, fl. 280 v.; Manuel Oliveira (p. 8) escreve mesmo que documentos paroquias já referem a capela em 1638, assim como a sua confraria, informação que ainda não nos foi possível confirmar. A confraria continua mencionada em 1712 no “Santuário Mariano”, na Memória Paroquial de 1721, e mais tarde em Pinho Leal e deste na enciclopédia “Portugal”.
[4] Já Manuel Oliveira (pp. 8-9) levantou essa hipótese, notando ter existido ocupação pré-romana na área.
[5] Assim o diz o “Santuário Mariano”. Ainda o afirma Pinho Leal, seguido pela enciclopédia “Portugal”, mas possivelmente recorrendo àquela fonte antiga e sem observação directa.
[6] Afirma-se em 1925 que na Senhora do Monte houve Sobreiros ou Carvalhos ou Oliveiras «que ainda conheci» (O Povo de Estarreja, n.º 32, 8.2.1925, p. 2).
[7] Dizem os mais velhos e confirma-o “O Jornal de Estarreja”, n.º 2663, 25.5.1943, p. 2.
[8] Ou em tempos cortados pela Junta de Freguesia (O Jornal de Estarreja, 2738, 10.7.1946, p. 2), que é a hipótese mais provável, ou destruídos por um ciclone em 1941 (Manuel Oliveira, p. 12).
[9] Manuel Oliveira, p. 12.
[10] Menciona-o a Memória Paroquial de 1721, e Manuel Oliveira repete-o (pp. 9-11).
[11] Dele dão notícia João Gonçalves Gaspar (pp. 528-529), Manuel Oliveira (pp. 9-11), e o Anuário Comercial de Portugal, 1960, II, p. 945, que chama a esta indulgência de «desobriga da Senhora do Monte». O Pe. Figueira publicou a sua tradução em “O Jornal de Estarreja”, n.º 2620, 24.8.1941, p. 1.
[12] Pinho Leal e a enciclopédia “Portugal” dizem ser a romaria no dia da Assunção muito concorrida, notando as visitas à capela durante o ano. Também Américo Costa alude à romaria, que dentro do concelho de Estarreja é a única a merecer referência em diversos Anuários do séc. XX (Anuário Comercial de Portugal, 1920, III, p. 2474; 1930, II, pp. 2714 e 2718; 1939, II, p. 3652; 1950, II, p. 2646; 1960, II, p. 945; 1966, p. 1069; Anuário Geral de Portugal, 1977, p. 456; Grande Anuário de Portugal – Ilustrado, 1944-1945, p. 1373).
[13] Maria Lamas, “As mulheres do meu país”, p. 191.
[14] Assim o afirma o “Santuário Mariano”, em 1712.
[15] Fala-se de muitos romeiros de Aveiro (O Povo da Murtosa, n.º 160, 22.8.1908, p. 2), romeiros de Aveiro (O Povo da Murtosa, n.º 212, 21.8.1909, p. 2), ou que costumam vir centenas de pessoas de Aveiro (O Jornal de Estarreja, n.º 2257, 9.8.1931, p. 3).
[16] O Futuro de Estarreja, n.º 60, 31.7.1913, p. 2.
[17] O Jornal de Estarreja, n.º 2524, 20.8.1938, p. 3.
[18] Anuário Comercial de Portugal, 1920, III, p. 2474; 1930, II, pp. 2714 e 2718; 1939, II, p. 3652; 1950, II, p. 2646; 1960, II, p. 945; 1966, p. 1069; Anuário Geral de Portugal, 1977, p. 456; Grande Anuário de Portugal – Ilustrado, 1944-1945, p. 1373; antes em Pinho Leal e no “Portugal”.
[19] Guia de Portugal, p. 563.
[20] Américo Costa.
[21] Terras de Antuã, III, 2009.
[22] Terras de Antuã, II, 2008.
[23] DGEMN – http://www.monumentos.pt/
[24] Manuel de Oliveira, “Capela de Nossa Senhora do Monte – Salreu”, 1988, p. 11; aludem a algumas destas obras João Gonçalves Gaspar (p. 554 – obras profundas em 1962-1963) e A. Nogueira Gonçalves.
[25] Manuel Oliveira (p. 5); DGEMN – http://www.monumentos.pt/; lápide evocativa das obras 1988-1990 no interior do edifício.
[26] João Gonçalves Gaspar, pp. 528-529.
[27] A. Nogueira Gonçalves.
[28] A. Nogueira Gonçalves; Manuel Oliveira (p. 9).
[29] Pinho Leal (e com altura de um metro); enciclopédia “Portugal”; João Gonçalves Gaspar.
[30] João Gonçalves Gaspar, pp. 528-529; A. Nogueira Gonçalves
[31] Manuel Oliveira, p. 9.
[32] DGEMN – http://www.monumentos.pt/


In Salreu - Património Construído, Junta de Freguesia de Salreu, 2009, pp. 10-14

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