Aquilo a que hoje chamamos de Carnaval tem na tradição
popular o nome de Entrudo. É um período de excessos, herdeiro de algumas
tradições pagãs, excessos esses que se verificam também à mesa. É que estando
para iniciar-se o período da Quaresma, o Entrudo é o momento de tirar a barriga
de misérias, com a carne que nas semanas seguintes será proibida. Para além
disso, este foi nalguns casos um dos momentos do ano em que os antigos pagavam
tributos. Por exemplo em notícia de 1746, de Fermelã, um tributo eclesiástico
incluía o pagamento de cordeiros nesta altura.
A mesa do Entrudo havia portanto ser farta de carne. Para
muitos era o buscar à capoeira o melhor que lá houvesse, para reunir a família
no domingo gordo. Mais interessante era o uso que antigamente se fazia da carne
de porco, de que os mais velhos se devem lembrar pelo menos em Avanca, Bunheiro
e nas Quintas da Torreira. Refiro-me à tradição do “caldinho do Entrudo”. Na quinta-feira gorda (a primeira antes do
Entrudo), e nalguns casos também na quinta-feira magra (a segunda antes do
Entrudo), as crianças e alguns adultos de espírito mais folgazão andavam em
grupos a pedir comida pelas casas, em particular carne. Via-se assim crianças
com uma sacola pedindo carne aos vizinhos, para o dia do “caldinho”. Com o que se juntava de pedir pelas casas fazia-se o tal
“caldinho”, que nesse dia era
partilhado e comido em conjunto num ambiente de alegria. A panela do caldo
costumava levar os “tornelhos”, as orelhas e as canas do porco.
Faltam aqui as guloseimas, que não poderiam ficar de fora
num momento festivo. No Entrudo as que se comiam eram as filhoses (por alguns chamadas filhós),
uma massa de farinha, ovos, açúcar, sal e água, que se leva a fritar, e depois
de absorver o óleo em papel de cozinha polvilha-se com açúcar a canela.
Há ainda notícia de algumas crianças comerem nesta época os razudos, um pão de milho semelhante ao
bolo, com 7 ou 8 cm
de diâmetro. Mas este é o Carnaval que já não é, foi.
In "O Carnaval à mesa em Estarreja”, O Jornal de
Estarreja, n.º 4600, 17.2.2012, p. 2
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