quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

História Administrativa de Estarreja

Desde a Idade Média até ao século XIX o mapa administrativo de Estarreja manteve-se quase inalterado. Originalmente o concelho de Estarreja chamava-se Antuã, e tinha a sua sede no lugar deste nome da actual freguesia de Salreu. Com a mudança das casas do poder administrativo, judicial e tributário para o lugar de Estarreja, ainda na Idade Média, este nome foi a pouco e pouco substituindo o de Antuã. O concelho de Antuã, depois chamado de Estarreja, era pertença do Mosteiro de Arouca desde 1257, e compunha-se das seguintes freguesias: Avanca (menos uma terça parte que pertencia à Feira, e uma nesga a Bemposta), Beduído (menos a zona de Santiais que era de Bemposta), Salreu (menos duas terças partes, de Bemposta), Pardilhó, Bunheiro, Veiros e Murtosa (salvo a metade correspondente aos lugares de Pardelhas e Ribeiro, pertencentes a Bemposta). As freguesias inteiras de Canelas e Fermelã pertenciam também a Bemposta.
 
A freguesia enquanto unidade administrativa não existia, sendo o concelho o mais pequeno poder civil. É de resto o que ainda acontece no resto da Europa, mas em regra com municípios mais pequenos que os nossos. A ideia de freguesia tinha apenas aplicação na administração da Igreja, de onde lhe vinha o nome, e por isso fazia sentido que as freguesias pudessem pertencer em metades a concelhos diferentes, pois a divisão civil era uma e a eclesiástica outra. Na sua dimensão eclesiástica a freguesia de Santa Marinha de Avanca exercia a autoridade sobre as filiais de S. Pedro de Pardilhó e S. Mateus do Bunheiro, cujos curas dependiam hierarquicamente do Reitor de Avanca. Por seu turno o Reitor de Santiago de Beduído exercia autoridade sobre os curas de S. Bartolomeu de Veiros e N. S.ª da Natividade da Murtosa. S. Martinho de Salreu tinha o seu próprio Prior. Em S. Miguel de Fermelã um Reitor estendia a autoridade sobre os curas de S. Tomé de Canelas (originalmente foi um lugar de Fermelã) e N. S.ª das Neves de Angeja. A Torreira era, eclesiástica e civilmente, um lugar de S. Cristóvão de Ovar e do concelho com o mesmo nome. Eram pois totalmente distintas as fronteiras civis e eclesiásticas. Uma aldeia ou povoação correspondia em regra a uma unidade eclesiástica, e identificava-se mais com a ideia de comunidade à qual os cidadãos sentiam pertencer. Diferentemente, o concelho era o agregar de vários territórios, muitas vezes com realidades geográficas distintas. O povo via a divisão civil (municipal) com distância, no papel de fisco e julgador.
 
O século XIX foi fértil em reformas administrativas, que entre outros aspectos seriam responsáveis pela criação de uma unidade civil abaixo do concelho – a freguesia -, criada, extinta, voltada a criar, e alterada sucessivas vezes ao longo desse século. Em regra o seu território foi decalcado do da unidade eclesiástica (paróquia). Umas vezes tinha uma Junta de Paróquia eleita, outras vezes era dirigida por inerência pelo pároco. Após a implantação da República e ao longo das décadas seguintes, a mais pequena unidade administrativa passou a ser apenas conhecida por freguesia, assim se designando em todos os diplomas legais da actualidade. Do ponto de vista eclesiástico usam-se os nomes freguesia e paróquia, com preferência pelo segundo, no intuito de distinguir da unidade civil. Embora na generalidade dos casos as fronteiras civis e eclesiásticas coincidam, existem paróquias com mais de uma freguesia, e freguesias com mais de uma paróquia. É o que sucede com a freguesia da Murtosa, onde cabem as paróquias de N. S. da Natividade da Murtosa e S. Lourenço de Pardelhas, ou da freguesia de Ovar, com as paróquias de S. Cristóvão e S. Pedro.
 
Com o quadro que se anexa ficam sumariadas algumas das principais alterações administrativas respeitantes ao concelho de Estarreja, dos séculos XIX e XX, que para o bem e para o mal tiveram como consequência última os actuais concelhos de Estarreja e Murtosa, assim como as suas freguesias.



HISTÓRIA ADMINISTRATIVA DE ESTARREJA (sumário)
1833 – D. Pedro, sitiado no Porto, determina que os concelhos se componham de freguesias inteiras: «O Reino de Portugal e Algarves é dividido em Provincias, estas em Comarcas; as Comarcas em Concelhos; e estes comprehendem uma, ou mais Freguezias por inteiro»;
1833 – Estarreja passa a ser uma das comarcas da vasta Província do Douro (distritos do Porto, Aveiro e Coimbra), abrangendo 9 concelhos: Angeja, Sever, Estarreja, Estêvão, Macieira de Cambra, Oliveira de Azeméis, Páus, Pinheiro da Bemposta, Frossos;
1834 – Estarreja é uma das 15 comarcas da Relação do Porto. No actual distrito de Aveiro apenas existiam as comarcas da Feira, Aveiro e Estarreja;
1835 – Criam-se poderes nomeados e eleitos para os Distritos, Concelhos e Freguesias. O governo escolhe o Governador Civil e o Administrador do Concelho, e este último nomeia o Comissário de Paróquia, todos considerados magistrados administrativos. Por outro lado a Junta Geral de Distrito, Câmara Municipal e Junta de Paróquia, são todas constituídas por cidadãos eleitos;
1835 – Julgado de Estarreja passa a incluir as freguesias da Branca e Salreu (parte), desanexadas de Bemposta, e os lugares da freguesia de Avanca pertencentes aos concelhos de Oliveira de Azeméis e Bemposta;
1835 – Julgado de Ovar perde as costas de S. Jacinto e do Prado, anexadas a Aveiro e Ílhavo;
1835 – Julgado de Albergaria-a-Velha passa a incluir as freguesias de Canelas e Fermelã, desanexadas de Bemposta;
1835 – Freguesia da Murtosa passa a pertencer integralmente ao concelho de Estarreja;
1835 – Torreira passa de Ovar para concelho de Estarreja;
1836 – Lei define que «A Freguezia toda pertencerá ao Julgado, em que estiver situada a Igreja Parochial»;
1836 – No distrito de Aveiro só existem 3 comarcas: Águeda, Aveiro (inclui Estarreja) e Feira;
1836 – Cria-se de novo o concelho de Angeja, que agora além da própria freguesia passa a incluir as de Frossos, Canelas e Fermelã;
1840 – Comarca de Estarreja composta pelos concelhos de Estarreja e Bemposta;
1841 – Criados os Juízos de Paz de Avanca (Avanca, Pardilhó), Bunheiro (Bunheiro e Veiros), Murtosa (Murtosa), Salreu (Beduído e Salreu), Angeja (abrange Canelas e Fermelã);
1854 – As freguesias de Canelas e Fermelã, que constituem o Julgado de Paz de Canelas, passam a pertencer ao concelho de Estarreja; suprimido o concelho de Angeja, as freguesias de Angeja e Frossos são integradas no de Albergaria-a.Velha;
1854 – A costa do mar a sul da Barra, pertencente a Ovar, passa novamente a pertencer a Ílhavo;
1855 – Costa da Torreira novamente desanexada de Ovar, passando a lugar da freguesia da Murtosa e concelho de Estarreja, com efeitos administrativos e judiciais. A fronteira da Torreira estabelece-se por duas linhas tiradas de nascente para poente, pelas extremidades norte e sul do concelho de Estarreja;
1855 – S. Jacinto novamente integrado em Aveiro (freguesia de Vera Cruz), e Costa Nova integrada em Ílhavo;
1855 – Extingue-se o concelho de Bemposta. As freguesias que pertenceram em tempos ao concelho de Bemposta dividem-se hoje, na sua maior parte, pelos concelhos de Oliveira de Azeméis e Albergaria-a-Velha;
1856 – Torreira anexada à paróquia da Murtosa, para efeitos eclesiásticos, após a anexação civil no ano anterior;
1867 – Decreto-Lei, que parece não ter chegado a ser executado, agregava várias freguesias, assim criando as novas de: Avanca (Avanca e Loureiro), Beduído (Beduído e Veiros), Murtosa, Pardilhó (Pardilhó e Bunheiro), Salreu, e Fermelã (Canelas e Fermelã). Esta nova de Fermelã (Canelas e Fermelã) era anexada ao concelho de Albergaria-a-Velha;
1875 – Comarca de Estarreja divide-se em 3 julgados: Estarreja/Beduído (Avanca, Beduído, Pardilhó), Murtosa (Bunheiro, Murtosa, Veiros), Salreu (Canelas, Fermelã, Salreu);
1898 – Fermelã é incluída na comarca de Albergaria-a-Velha, onde permaneceria durante décadas;
1926 – Criação do concelho da Murtosa, com as freguesias da Murtosa e Bunheiro, pertencentes a Estarreja;
1926 – A Torreira, lugar do Bunheiro há decadas, torna-se freguesia;
1926 – Pardilhó anexado ao concelho de Ovar;
1928 – Pardilhó volta para Estarreja, não chegando a realizar-se o plebiscito previsto, segundo o qual o povo da freguesia decidiria a que concelho deveria pertencer: Ovar, Estarreja ou Murtosa;
1933 – Criada a freguesia do Monte, antes lugar da Murtosa;
1973 – Avanca promovida à categoria de Vila (designação meramente honorífica);
1997 – Torreira promovida à categoria de Vila (idem);
2005 – Estarreja promovida à categoria de Cidade, Pardilhó e Salreu à de Vila (idem).


In “Estarreja e Murtosa no novo mapa autárquico”, O Jornal de Estarreja, n.º 4569, 3.6.2011, pp. 1-4

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