Numa
altura em que os noticiários falam diáriamente do sarampo, recordamos uma
pandemia que faz este ano um século. A maior pandemia da história da humanidade
(nem a Peste Negra vitimou tanta gente), a penumónica,
mais conhecida por gripe espanhola,
ocorreu há 100 anos, entre 1918 e 1919. Actualmente, as estimativas mais
optimistas e pessimistas oscilam entre os 50 e os 100 milhões de pessoas mortas
em todo o mundo, sobretudo jovens. Os mortos, porém, terão sito apenas 2,5 %
dos infectados, podendo a pandemia ter atingido metade da população mundial. A
origem da penumónica ainda hoje é
controversa, contudo a sua primeira manifestação conhecida ocorreu nos Estados
Unidos da América. Ficou injustamente conhecida por gripe espanhola, devido à divulgação que dela fez a imprensa deste
país, que não participou na 1.ª Grande Guerra. Pelo contrário Portugal e outros
países silenciaram, ou censuraram, a mortandade causada pela penumónica.
Chegou
a Portugal em Maio de 1918, manifestando-se mais brandamente até Julho desse
ano. Entre Agosto e Dezembro de 1918 decorreu uma vaga mais violenta no país,
causando neste período a grande maioria das mortes. Novamente as estimativas
oscilam, entre as 60 e as 120 mil mortes no país, principalmente pessoas
jovens, entre os 20 e os 40 anos. Entre as vítimas mortais encontram-se nomes
conhecidos, como os dois pastorinhos videntes de Fátima, Francisco e Jacinta
Marto. Estava então a terminar a Grande Guerra, que não vitimou tanta gente, e
nas vésperas de passar por Estarreja a Monarquia
do Norte. Portugal vivia assim uma trilogia de “fome, peste e guerra”, com
a escassez de bens alimentares, a pneumónica
e a Grande Guerra.
A
maioria dos estarrejenses de hoje poderá ter familiares que foram vítimas
mortais da gripe espanhola. Entre os
registos paroquiais e civis de óbito encontra-se a identificação de uma boa
parte dessas vítimas, embora nem sempre os registos indiquem a causa da morte.
Os jornais locais, designadamente O
Jornal de Estarreja e O Concelho de
Estarreja, publicaram na época várias notícias sobre o flagelo.
Transcrevem-se aqui duas notícias d’O
Jornal de Estarreja, datadas de Dezembro de 1918, reveladoras do que se
passou no concelho.
Marco
Pereira
«A epidemia
Algo
tem decrescido na villa a epidemia da influenza pneumonica, continuando, porém,
a grassar com alguma intensidade n’alguns logares do concelho.
Em
Santo Amaro ha um caso da morte d’uma famila inteira, a de «José Cego».
No
Bunheiro está agora a manifestar-se.
É
impossivel darmos os nomes de assignantes e amigos que teem sido atacados e
felizmente teem escapado.
Os
que escapam ao terrivel mal teem muito que contar!
Os
estragos causados pela gravissima epidemia n’este concelho são verdadeiramente
aterradores.»
O Jornal de Estarreja, n.º 1626, 8.12.1918, p. 3
«A epidemia no concelho
Movimento demografico
Não
queremos, pelo que é de horroroso, nem podemos pela falta de espaço, dar a
lista dos mortos que desde Outubro tem havido neste concelho.
Apenas
em resumo diremos que no mez de Outubro houve 294 obitos e no mez de de
novembro 319 e que durante os nove mezes antecedentes de 1918 houve menos
obitos do que n’estes dois ultimos mezes.
Eis
o movimento demographico do concelho dos referidos mezes:
OUTUBRO
Nascimentos
73
Casamentos
20
Obitos
294
NOVEMBRO
Nascimentos
74
Casamentos
15
Obitos
310
Vê-se,
pelo obituario da 1.ª quinzena do mez corrente, que a epidemia vae decrescendo
sensivelmente em todo o concelho.»
O Jornal de Estarreja, n.º 1627, 15.12.1918, p. 3
In
O Jornal de Estarreja, n.º 4828, 6.4.2018, p. 2
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