sexta-feira, 24 de abril de 2020

A pneumónica, ou gripe espanhola, em Estarreja (1918-1919)


Numa altura em que os noticiários falam diáriamente do sarampo, recordamos uma pandemia que faz este ano um século. A maior pandemia da história da humanidade (nem a Peste Negra vitimou tanta gente), a penumónica, mais conhecida por gripe espanhola, ocorreu há 100 anos, entre 1918 e 1919. Actualmente, as estimativas mais optimistas e pessimistas oscilam entre os 50 e os 100 milhões de pessoas mortas em todo o mundo, sobretudo jovens. Os mortos, porém, terão sito apenas 2,5 % dos infectados, podendo a pandemia ter atingido metade da população mundial. A origem da penumónica ainda hoje é controversa, contudo a sua primeira manifestação conhecida ocorreu nos Estados Unidos da América. Ficou injustamente conhecida por gripe espanhola, devido à divulgação que dela fez a imprensa deste país, que não participou na 1.ª Grande Guerra. Pelo contrário Portugal e outros países silenciaram, ou censuraram, a mortandade causada pela penumónica.

Chegou a Portugal em Maio de 1918, manifestando-se mais brandamente até Julho desse ano. Entre Agosto e Dezembro de 1918 decorreu uma vaga mais violenta no país, causando neste período a grande maioria das mortes. Novamente as estimativas oscilam, entre as 60 e as 120 mil mortes no país, principalmente pessoas jovens, entre os 20 e os 40 anos. Entre as vítimas mortais encontram-se nomes conhecidos, como os dois pastorinhos videntes de Fátima, Francisco e Jacinta Marto. Estava então a terminar a Grande Guerra, que não vitimou tanta gente, e nas vésperas de passar por Estarreja a Monarquia do Norte. Portugal vivia assim uma trilogia de “fome, peste e guerra”, com a escassez de bens alimentares, a pneumónica e a Grande Guerra.

A maioria dos estarrejenses de hoje poderá ter familiares que foram vítimas mortais da gripe espanhola. Entre os registos paroquiais e civis de óbito encontra-se a identificação de uma boa parte dessas vítimas, embora nem sempre os registos indiquem a causa da morte. Os jornais locais, designadamente O Jornal de Estarreja e O Concelho de Estarreja, publicaram na época várias notícias sobre o flagelo. Transcrevem-se aqui duas notícias d’O Jornal de Estarreja, datadas de Dezembro de 1918, reveladoras do que se passou no concelho.

Marco Pereira


«A epidemia
Algo tem decrescido na villa a epidemia da influenza pneumonica, continuando, porém, a grassar com alguma intensidade n’alguns logares do concelho.
Em Santo Amaro ha um caso da morte d’uma famila inteira, a de «José Cego».
No Bunheiro está agora a manifestar-se.
É impossivel darmos os nomes de assignantes e amigos que teem sido atacados e felizmente teem escapado.
Os que escapam ao terrivel mal teem muito que contar!
Os estragos causados pela gravissima epidemia n’este concelho são verdadeiramente aterradores.»
O Jornal de Estarreja, n.º 1626, 8.12.1918, p. 3

«A epidemia no concelho
Movimento demografico
Não queremos, pelo que é de horroroso, nem podemos pela falta de espaço, dar a lista dos mortos que desde Outubro tem havido neste concelho.
Apenas em resumo diremos que no mez de Outubro houve 294 obitos e no mez de de novembro 319 e que durante os nove mezes antecedentes de 1918 houve menos obitos do que n’estes dois ultimos mezes.
Eis o movimento demographico do concelho dos referidos mezes:
OUTUBRO
Nascimentos 73
Casamentos 20
Obitos 294
NOVEMBRO
Nascimentos 74
Casamentos 15
Obitos 310
Vê-se, pelo obituario da 1.ª quinzena do mez corrente, que a epidemia vae decrescendo sensivelmente em todo o concelho.»
O Jornal de Estarreja, n.º 1627, 15.12.1918, p. 3

In
O Jornal de Estarreja, n.º 4828, 6.4.2018, p. 2

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