Cada região portuguesa tem as suas tradições culinárias, que
variam consoante os vários momentos altos do ano, e de terra para terra. A
região de Estarreja possui também tradições gastronómicas, que definem uma boa
parte da identidade do povo que aqui vive. Há alimentos que se comem quase só
no S. Gonçalo (no início do ano), no Carnaval, na Páscoa, nos santos populares,
ou no Natal. A cada época associamos determinados sabores, sem os quais a data
celebrada perde grande parte do seu valor. Nos últimos anos, ou décadas, a
televisão e outros meios de comunicação aproximaram mais o modo de viver de
todas as pessoas, contribuindo para uma crescente identidade comum, e o esbater
das diferenças regionais, que não nos separam necessariamente, e poderão mesmo
ser um trunfo para o turismo e outros domínios.
O Natal é por excelência um momento com paladares próprios,
e que como acima se disse variam de região para região. O prato característico
da noite de consoadas em Estarreja é o mais comum de Portugal: o bacalhau cozido
com batatas e couves ou grelos. A sobremesa pode constar de castanhas, arroz
doce, ou por vezes sopa doce. Mas isto não é a regra. As guloseimas rainhas do
típico Natal de outros tempos, em Estarreja, são principalmente os bilharacos
(feitos de abóbora, ovos, farinha, manteiga, açúcar e canela), as rabanadas
(pão, leite, ovos, açucar e canela) e as filhoses ou filhós (farinha,
ovos, açúcar e canela). Todos os três doces da época levam ovos, à boa maneira
portuguesa, e todos são polvilhados com açúcar e canela depois de prontos, que
misturadas ajudam a distinguir a doçaria natalícia.
Ao pensar nos bilharacos vem à lembrança que a abóbora,
abundante nos quintais da região, ainda está longe de atingir todo o seu
potencial gastronómico. Substitui com algumas vantagens a batata na sopa, é
ingrediente da interessante variedade da broa de abóbora, e participa na
feitura de alguns doces. Outros destinos lhe poderiam talvez ser dados.
O bacalhau cozido, e o cheiro dos bilharacos, das rabanadas
e das filhoses, a todos ou quase todos trazem e amplificam a memória de natais
passados e tempos de infância. A abundância de sabores que são estranhos à
tradição local e nacional lentamente vai enterrando esse passado genuinamente
nosso. Recuperar algumas das tradições passadas, sem necessariamente afastar as
comodidades do presente, poderá ser um mercado da saudade e da identidade. Por
outro lado pode significar uma poupança do país nas importações, e investimento
nas exportações (por via do turismo), importantes nos dias em que vivemos.
In O Jornal de Estarreja, n.º 4591, 9.12.2011, p. 2
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