terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Pesca e turismo [na Torreira] (actividades económias)

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Ao que parece, a instalação duma povoação na Torreira e não em qualquer outro lugar da Gelfa deu-se por o mar ficar mais próximo da ria para quem a atravessava vindo da terra marinhoa [1]. A povoação teria sido feita em simultâneo por vareiros e marinhões e não seriam tanto os pescadores do Furadouro que foram para a Torreira e ali ensinaram os marinhões a arte da pesca no mar. Com o tempo a Torreira transformou-se no mais afamado e activo centro de pesca de arrasto da Beira Litoral, particularmente da sardinha [2], e na pesca estava a base da economia local. Por 1899 a Torreira era ainda um grande centro de pesca e praia de banhos. Egas Moniz (1874-1955) conta na sua auto-biografia (intitulada "A Nossa Casa") também por lá ter passado para banhos com a família na sua meninice. Marques Gomes diz-nos que «não vai além do último quartel do século XVII, a existência da Torreira como praia balnear, e, estação de pesca marítima. As habitações dos pescadores, os palheiros, eram todas junto à margem da ria, e era neles que se albergavam as pouquíssimas pessoas que então para ali iam a banhos» [3]. Referindo-se ao século XIX outro autor diz que «a praia da Torreira teve foro de elegante e a frequência da melhor sociedade do centro do país, da Bairrada a Viseu, até aos limites do concelho da Feira» [4].



A actividade piscatória foi-se organizando em companhas (companhias), cujo número variou ao longo do tempo. Em 1835 seriam 7 [5] e em 1852 atinge-se as 9 [6], o máximo de que temos notícia. Em 1874 e 1885 as companhas são 6 [7]. Regista-se em 1895 um total de 5 companhas [8] e, pouco depois, em 1899, 6 companhas [9]. Quase todos os elementos destas companhas eram da Murtosa e dedicavam-se à pesca na costa da Torreira nos meses de Maio/Junho a Novembro de cada ano [10], ficando a localidade praticamente deserta durante o resto do ano, entregue apenas aos cuidados do ermitão que tomava conta da capela de S. Paio. O puxar das redes de arrasto para terra foi primeiro feito por mão humana e depois por gado bovino [11].

Em 1836 sabemos funcionar já um sistema de "segurança social" entre os pescadores [12], o qual implicava, entre outras coisas, que os pescadores doentes continuassem a receber o seu salário, e da mesma forma as suas viúvas. É interessante notar como o sistema acabou mesmo por ser oficializado (decreto dado a 5-11-1852 e publicado no Diário do Governo de 20-11-1852) antes que qualquer país do mundo estabelecesse o seu próprio sistema de segurança social estatal. Marques Gomes também se refere ao mesmo assunto [13].



As únicas construções que existiam na Torreira do século XIX eram rudimentares palheiros de madeira, frágeis e expostos ao fogo e a outras intempéries, dispostos em duas faixas ao comprido, uma no mar outra na ria, sendo o aglomerado da ria o mais desenvolvido [14]. Por volta de 1885 as habitações do lado da ria eram utilizadas para depósito de sardinha e as da beira mar para o alojamento de pescadores durante a safra e banhistas na quadra de banhos.

Uma questão curiosa é a de ter existido na Torreira um pequeno caminho-de-ferro, entre o mar e a ria, para o transporte de peixe, inaugurado em 1877 e que terá durado uma meia dúzia de anos. Empregaram-se meios diversos para movimentar os carros [15]: foram puxados por cavalos, muares, a contrapeso de água, vapor, electricidade e até vela ao vento. Em 1873 esteve em projecto um caminho de ferro que ligava a estação de Estarreja à Bestida e houve ainda outros projectos para a Torreira em 1874, embora nenhum deles tenha saído do papel [16].

[1] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 201
[2] LOPES PEREIRA, "Murtosa – Gente Nossa", 3.ª ed., 1995, p. 71
[3] MARQUES GOMES, "Notícia Histórica", In A Murtosa – A propósito da sua autonomia, de José Maria Barbosa, 1899, p. XIX
[4] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 142
[5] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 45
[6] MARANHÃO, Pe. Francisco dos Prazeres, "Diccionario Geographico...", 1852
[7] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 239 e 240; Idem, p. 242
[8] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 299
[9] MARQUES GOMES, "Notícia Histórica", In A Murtosa – A propósito da sua autonomia, de José Maria Barbosa, 1899
[10] COSTA, Eduardo, Memória Paroquial de Ovar de 1758, A. D. A., vol. XXXIV, p. 204 e ss.; e PINHO LEAL, "Portugal Antigo e Moderno"
[11] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994
[12] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 55 e ss.
[13] MARQUES GOMES, "Notícia Histórica", In A Murtosa – A propósito da sua autonomia, de José Maria Barbosa, 1899
[14] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 217 e ss.
[15] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p. 199
[16] TAVARES Afonso e Cunha, José, "Notas Marinhoas", vol. IV, 1994, p.185 e ss.; e pequena ref. em PINHO LEAL, "Portugal Antigo e Moderno"

In “Torreira – resumo histórico”, O Jornal de Estarreja, n.º 4218, 5.9.2003, pp. 8-10
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