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MÂMOAS . – Em diversos locais dos concelhos de Estarreja e Murtosa existe, ou pelo menos existiu, o topónimo Mâmoa. Expressão de origem medieval, evoca monumentos funerários da época pré-romana, sob a forma de montículos de terra que cobrem uma sepultura. É do aspecto arredondado, como o seio feminino, que tiram o nome [1]. Além da Mâmoa de Veiros duas outras, possivelmente, terão existido na Murtosa.
TOPONÍMIA GERMÂNICA. – Com as chamadas invasões bárbaras, muitos dos invasores assenhoraram-se de propriedades rurais, e essas popularmente passaram a designar-se pelo nome do seu possessor: a villa de fulano. Esta forma de identificação de alguns lugares pelo nome do respectivo dono, no genitivo (complemento determinativo), o que hoje continua a verificar-se, resistiu em muitos casos ao tempo, em topónimos que não caíram em desuso. Alguns autores atribuem a origem deste fenómeno aos sécs. V-VII, período do domínio Suevo e Visigodo, e outros entendem que foi ocasionado durante os movimentos de reconquista dos sécs. VIII-X ou XII. De qualquer modo são estas as razões pelas quais existe em Portugal, principalmente no litoral norte, toponímia antroponímica genitiva germânica, isto é, nomes de lugares que são nomes de pessoas, ditos no genitivo com o sentido possessório (o genitivo usou-se igualmente como patronímico). E essas pessoas tinham nomes utilizados por povos do norte da Europa, que com o fim do império romano entraram na história peninsular.
Conhecem-se na Terra Marinhoa exemplos de toponímia germânica, nas freguesias de Veiros (Telhões) e Bunheiro (Romariz). E talvez outros casos mais, de lugarejos que não estão nos mapas mas se encontram por vezes nas matrizes rústica e urbana. Telhões [2] é pacificamente aceite como topónimo germânico, e Romariz [3] acolhe igual unanimidade doutrinal. Admita-se enfim como possível o Aruffo na Murtosa (1291). Nos concelhos de Estarreja e Murtosa, além daqueles lugares que se observam na Carta Militar de Portugal, houve pelo menos mais os de Gomemil, Tantemil, Damodi [4] e Bretufe [5].
TOPONÍMIA ÁRABE. – Não se pode considerar consensual a sua existência, mas é defensável. Dois casos ocorrem na região da Torreira: Gelfa e Muranzel.
Explica Joaquim da SILVEIRA que a «Gelfa é uma extensa região arenosa, na maior parte baldia e deserta, na parte sul da freguesia e concelho de Vagos, aos lados da estrada velha de Mira para a Vista Alegre e Ílhavo. Até há 30 ou 40 anos, e não sei se ainda hoje, era campo de pastagem e criação de gado bovino e equino, apesar da sua escassa vegetação espontânea» [6]. Pelo visto o aproveitamento económico é semelhante, e com iguais limitações, ao da Gelfa vareira. Para este autor Gelfa parece ser de origem árabe e tem o significado de pastagem, ou similar [7]. É esse sentido de pastar e pastagem que se encontra nos dicionários [8].
No caso de Muranzel, vem escrito Almundazel na Carta de Portugal, 1:50.000, folha 16A, 1904. Mas a hipótese de ter origem árabe tem quem a conteste [9].
Apesar de não serem muitos, os topónimos de origem árabe persistem em localidades vizinhas, como Alquerubim ou Arrifana.
Entre os anos e 1142 e 1147 viajou na Península Ibérica Edricí, geógrafo árabe. Nos seus relatos revelou que se fazia de barco o percurso entre Coimbra e Porto, e mais terras, passando pois junto da nossa Gelfa. E mais escreveu que «O Vouga é um rio grande, no qual entram embarcações de comércio e galés, porque a maré sobe muitas milhas por ele acima» [10].
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[1]. LEITE DE VASCONCELOS, “Opúsculos”, III, pp. 277-281, 285-286; J. M. PIEL, “Nomes de lugar referentes ao relevo e ao aspecto geral do solo”, Revista Portuguesa de Filologia, vol. 1, pp. 160-161.
[2]. LEITE DE VASCONCELOS, “Opúsculos”, III, pp. 142, 320, 359-360; Pedro A. de AZEVEDO, “Nomes de pessoas e nomes de logares”, Revista Lusitana, VI, 1900-1901, p. 49; José Joaquim NUNES, “Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa”, 9.ª ed., 1989, pp. 173, 183; J. M. PIEL, “Os nomes germânicos na Toponímia Portuguesa”, 1936 (separata do “Boletim de Filologia”, tomo II e ss.), p. 280; A. de ALMEIDA FERNANDES, “Paróquias Suevas e Dioceses Visigóticas”, Arouca, 1997, p. 163 (não aponta Romariz no Bunheiro por ignorar existir, pois aponta-o noutros concelhos), “Toponímia Portuguesa”, 1999, p. 560-561, e na GEPB, XXXII, p. 77; Pedro Augusto FERREIRA, “Tentativa Etymologico-Toponymica”, vol. 2, p. 341, e vol. 3, p. 442; etc.
[3]. David LOPES, “Nomes árabes de terras portuguesas”, 1968, p. 144; Pedro A. de AZEVEDO, “Nomes de pessoas e nomes de logares”, Revista Lusitana, VI, 1900-1901, p. 49; José Joaquim NUNES, “Compêndio de Gramática Histórica Portuguesa”, 9.ª ed., 1989, pp. 174, 179; J. M. PIEL, “Os nomes germânicos na Toponímia Portuguesa”, 1936 (separata do “Boletim de Filologia”, tomo II e ss.), pp. 249-250; LOPES PEREIRA, “Murtosa Terra Nossa”, 2.ª ed., 1995, p. 35; etc.
[4]. Os três se encontram nas inquirições de 1334 (ANTT, Mosteiro de Arouca, vol. 106); Ref. SIMÕES JÚNIOR.
[5]. ADP, Cabido, Vol. 1672, fl. 39; Ref. José Gaspar de ALMEIDA, “Índice…”, 1936, p. 97 (casal de Bretufe, em Avanca, 1568).
[6]. Joaquim da SILVEIRA, “Estudos de Toponímia da Bairrada e outras notas”, pp. 195 (original de 1937, onde menciona várias gelfas). Cita Miguel de Oliveira, “A Vila de Ovar…”, Arquivo do Distrito de Aveiro, III, 1937, pp. 125-128, que tem nomes de sítios da Gelfa em 1354, e gado ali criado.
[7]. Com o que concorda Miguel de OLIVEIRA, “Ovar na Idade Média”, pp. 80-81.
[8]. António de Morais SILVA, “Novo diccionario…”, s. v. Gelfa; Cândido de FIGUEIREDO, “Grande dicionário…”, 1996, vol. II, p. 1259.
[9]. LOPES PEREIRA, “Murtosa Terra Nossa”, 2.ª ed., 1995, pp. 24-25.
[10]. David LOPES, “Os árabes nas obras de Alexandre Herculano”, Boletim da Segunda Classe da Academia de Sciências de Lisboa, vol. 3, 1909/1910 (ed. 1910), p. 244.
In "A Terra Marinhoa na Idade Média", Junta de Freguesia de Veiros, 2010, pp. 7-9
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