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O título deste artigo refere-se ao documento reproduzido em anexo, que encontra-se publicado nos "Documentos de D. Sancho I (1174 – 1211)", vol. I, 1979, Doc. n.º 192, p. 295, colectânea esta da autoria de Rui de Azevedo, P.e Avelino de Jesus da Costa e Marcelino Rodrigues Pereira. Na verdade nem se trata de um documento mas sim um par deles, ou por outras palavras, D. Afonso III, Conde de Bolonha e Rei de Portugal, reconhece como válido, em 1250, um outro diploma outorgado pelo seu avô, D. Sancho I, em 1210, o qual é reproduzido juntamente com a sua confirmação.
O título deste artigo refere-se ao documento reproduzido em anexo, que encontra-se publicado nos "Documentos de D. Sancho I (1174 – 1211)", vol. I, 1979, Doc. n.º 192, p. 295, colectânea esta da autoria de Rui de Azevedo, P.e Avelino de Jesus da Costa e Marcelino Rodrigues Pereira. Na verdade nem se trata de um documento mas sim um par deles, ou por outras palavras, D. Afonso III, Conde de Bolonha e Rei de Portugal, reconhece como válido, em 1250, um outro diploma outorgado pelo seu avô, D. Sancho I, em 1210, o qual é reproduzido juntamente com a sua confirmação.
Como não conhecemos nenhum texto mais antigo onde conste o nome de Veiros esta será a primeira referência ao povoado, então com a designação escrita de «Veeyros». Os documentos são dados nas proximidades de Santa Maria da Feira, o primeiro (ano 1248 de César, 1210 de Cristo), e em Figueiredo (Pinheiro da Bemposta), o segundo (ano 1288 de César, 1250 de Cristo). Não temos conhecimento destes diplomas serem referidos ou conhecidos por algum autor local, pelo menos através da bibliografia existente, e com toda a probabilidade não procuraram saber os autores da colectânea se haveria ou não uma referência mais antiga à nossa localidade. Certo é que ela não surge nas colectâneas de documentos mais antigos que encontram-se publicadas. De todo modo há indícios de a toponímia denunciar uma mais remota presença humana: a “Mamoa” pré-romana e “Telhões” dos invasores germânicos (há quem considere igualmente “Olas”).
Povoações chamadas Veiros há duas: a freguesia do concelho de Estarreja e a do concelho de Estremoz, numa região conquistada por Afonso II em 1217, ou seja, depois de dado o nosso primeiro documento. Existem ainda outros lugares com nome igual ou parecido.
E o que nos dizem afinal os monarcas D. Sancho I e D. Afonso III sobre Veiros? Não é tão pouco como isso! Primeiro que tudo ficamos a saber que estas terras já não estavam submersas e os seus ancestrais habitantes bem se tinham de esforçar, trabalhando para si e para pagar o pesado imposto da quarta parte do que produziam, acrescendo-se-lhe outras prestações. Naturalmente dedicavam-se à agricultura, cultivando pelo menos o trigo, ao mesmo tempo que faziam criação de alguns animais, sendo-nos dada notícia de galináceos e caprinos. Contudo não há ainda qualquer referência à actividade piscatória, ficando em dúvida se a havia ou não. Mas havendo e sendo significativa, deixaria o rei de lançar sobre ela imposto? Na doação do couto de Antuã, em 1257, faz-se referência a impostos sobre pescarias, e curiosamente o documento n.º 144, de 1202, na colectânea de documentos medievais onde aparece Veiros pela primeira vez, fala de doações na zona de Aveiro, referindo-se a pesca e barcos. Ainda a respeito de pesca no norte da Ria de Aveiro, para o período medieval, veja-se as informações do Monsenhor Miguel de Oliveira no seu "Ovar na Idade Média". Sobre salinas, como as houve mais tarde em Pardelhas, não há de igual modo qualquer notícia para Veiros, nem agora nem mais tarde.
Ainda mais curioso é o juiz de Veiros, de quem nos fala D. Afonso III em 1250, sugerindo assim que esta nossa povoação tenha sido concelho medieval, segundo o critério utilizado por alguns historiadores [*]. Do mesmo modo, a sul do Rio Antuã, tivemos os concelhos de Antuã e, ao que parece, Fermelã, sendo que o primeiro estendia-se pela margem norte do rio. Sabemo-lo pelas inquirições de D. Afonso II, em 1220. Das restantes terras pertencentes hoje ao nosso concelho e ao da Murtosa, para a mesma altura, não temos dados, pois aquela inquirição não as abrangeu. Porém mais tarde, entre 1287 e 1358, Pardelhas teve juiz próprio e vereadores, eleitos pelos locais, havendo ali uma importante actividade económica: a exploração de salinas. Mas ao que parece, aquando da doação do Couto de Antuã e Avanca, em 1257, Veiros deveria estar integrado na villa de Antuã, com juiz próprio pelo menos desde 1220. O Monsenhor Miguel de Oliveira ("Ovar na Idade Média", 1967, pp. 73-76) fala-nos de um documento do Mosteiro de Arouca sem data, embora pareça ser de 1279-1281, no qual está a indicação de passar-se a pagar em Antuã um foro anual semelhante ao que era então pago pelos moradores de Veiros, o que sugere um tratamento diferenciado nesta povoação anteriormente. Além disso, no mesmo documento aparece uma velha estrada que passa pela localidade, vinda de Beduído: «Carrariam quae venit de Eccesia Sancti Jacobi de Biduydo per ad Villam de Veeyros». Vem-nos ainda à memória a alusão aos antigos privilégios dos moradores de Veiros, mencionados duzentos e quarenta anos mais tarde no foral de Antuã.
Pinho Leal, no seu conhecido e abundantemente referido "Portugal Antigo e Moderno", diz haver em Veiros tradição de a povoação ter sido «em tempos antigos, villa e cabeça de um couto, compreendendo o que actualmente pertence a esta freguesia, e á da Murtosa». Tal afirmação, no entanto, põe-nos dúvidas: poderia uma tradição oral resistir por tantos séculos? Será compreensível que o pároco omitisse tão importante informação na resposta ao inquérito de 1758? À semelhança de outros antigos estudiosos locais, damos pouco crédito a esta informação de Pinho Leal, que só acidentalmente tem um fundo de verdade, lembrando o que ainda há dias citámos de Oliveira Marques a seu respeito: tem muita informação importante, «embora a história, a lenda e a invenção corram a par» ("Guia do estudante de História Medieval Portuguesa", 3.ª ed., 1988, p. 57). E não resistimos a transcrever a nota de rodapé de Lopes Pereira, no "Murtosa – terra nossa", 2.ª ed., 1995, p. 60, sobre o que de «...de Veiros nos disse Pinho Leal, no seu Portugal Antigo e Moderno, s. v.. Ora sobre o mérito deste A. é preciso ter-se muito cuidado, pois até o circunspecto dr. Leite de Vasconcelos (in Revista Lusitana, I, 46) lhe chama um "escritor de superficialidade e leviandade tais que às vezes chega a causar dó a leitura da sua obra". E acrescenta que "recolheu muitos factos de valor, mas subordinando tudo a umas ideias gerais muito falsas, de modo que só com muita cautela se deve consultar". Veiros, villa e cabeça de um couto do qual fazia parte a Murtosa, é, pelo menos, uma ligeireza histórica que fica sem provar». Ora de facto sem provas tal informação vale pouco e torna as coisas mais confusas, de maneira que Lopes Pereira teve alguma razão na dureza das suas palavras. Apresentando o assunto com documentos como de momento fazemos alteram-se as circunstâncias.
Teria a atenção dada a Veiros pelos nossos dois monarcas origem na preocupação de povoar a zona? É possível, tanto mais que a região marinhoa foi mais tardiamente ocupada que todas as restantes freguesias do actual concelho de Estarreja, sendo ainda certo que o povoamento era na época uma das principais razões para fazer-se uma carta de aforamento. D. Sancho até teve como cognome “o povoador”. A ser assim faltaria talvez uma diferenciação de imposto em relação às terras a arrotear, tal como se passou depois debaixo da autoridade do Mosteiro de Arouca. Desconhecemos, por outro lado, qual a extensão aproximada de Veiros na época em análise, embora pareça não ser muito diferente da actual: para nascente estavam as terras de Antuã a norte do rio, e para poente, não muito longe, as de Pardelhas, onde nessa altura deveria ter jurisdição o juiz da Feira, embora não por muitos anos. Podia portanto Veiros abarcar os lugares da Murtosa e do Monte, sendo que os de Pardelhas e Ribeiro teriam diferente autoridade. Isto embora entre o podia e o deveria ainda seja larga a distância. Supomos ser possível encontrar mais informação importante noutra documentação medieval, sendo de interesse geral, entre outra, a publicação das chancelarias de todos os reis da primeira dinastia, o que facilitaria algum trabalho a quem não pode deslocar-se regularmente a Lisboa nem tem financiamento para estes estudos locais. Na Inquirição de Afonso IV no Couto de Antuã e Avanca, em 1334, a primeira testemunha do rei é de Veiros. Muito mais tarde, aquando do primeiro censo português, em 1527, a povoação compreendia 34 vizinhos, o que não lhe atribui posição de relevo no panorama regional.
Para finalizar, apresentamos o texto integral de 1210/1250 em latim, tal como foi publicado na colectânea indicada, ao que se segue a tradução para português. Bem enferrujado que está o nosso latim, que já de si se resume a apenas três anitos da instrução secundária, com a agravante do texto a traduzir ser de um barbaríssimo latim medieval, optámos por procurar ajuda em alguém mais competente para a tradução. Fomos pedir esse especial favor ao Professor João Fidalgo, nosso antigo mestre e amigo, que logo se dispôs a ajudar-nos. A ele dirigimos, pois, o nosso sincero muito obrigado.
Marco Pereira
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Doc. n.º 192
1210 JUNHO meados, Feira – Carta de aforamento de Veiros, que Afonso III confirmou a 1 de Agosto de 1250.
B) Arquivo Nacional da Torre do Tombo – Corporações Religiosas, Arouca, Gav. 7, m. 1, n.º 2.
A(alfonsus) Dei gratia rex Portugalie et comes Bolonie universis presentem cartam inspecturis salutem. Noueritis quod ego uidi cartam aui mei regis domni Sancii de suo sigillo sigillatam que talis est:
Ego Sancius Dei gratia Portugalensium rex notum esse uolo uniuersis ad quoscunque scriptura ista peruenerit quia ego do pro foro hominibus de Veeyros ut dent mihi quartam partem de quanto laborauerint et de eyradiga [1] sing[u]los sextarios et singulos almudes de tritico et singulos capones et singulos cabritos medios et singulas tercias de mbro [2]. Et concedo eis ut nunquam faciant aliud forum nec pectent calumpniam. Facta fuit hec carta apud Feyram Sancte Marie mediato Iunio Era M.ª CC.ª XL.ª VIII.ª. Et ma[n]do ut recipiant eis meum panem in areis.
Et ego supra dictus A(lfonsus) Dei gratia rex Portugalie et comes Bolonie concedo dictis hominibus de Veeyros ipsum forum quod auus meus dedit eis per supra dictam cartam. Et mando iudici de Veeyros quod teneat ipsos homines de Veeyros ad ipsum forum per dictam cartam at non laxet eos inde sacare. Datum in Figueiredo per V. Didaci super iudicem prima die Augusti Era M.ª CC.ª LXXX.ª VIII.ª.
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[1] Viterbo, no Elucidário, diz-nos que eiradéga «seria foro, que só dos frutos secos e debulhados na eira», embora «também se pagava eiradíga de linho e vinho», e a eiradiga «parece diferia de eiradega, sendo esta dos líquidos e aquela dos sólidos». Num exemplo da nossa região, mais tarde, o foral de Angeja fala de «deiradegua», quase sempre referindo-se a trigo, e indica-nos diversas prestações de cereais, animais domésticos e vinho. Parece-nos poder-se juntar toda a expressão «de eyradiga sing[u]los sextarios et singulos almudes de tritico», entendendo-se deste modo que a «eyradiga» refere-se ao trigo, embora sem certezas.
[2] Os autores da colectânea de docs. de D. Sancho põem em nota a sua dúvida quanto ao significado desta abreviatura. E. Borges Nunes ("Abreviaturas paleográficas portuguesas", 1981, p. 13) indica o significado –eiro/-eiros para –ro, embora o problema convoque os conhecimentos de um especialista na matéria. A não referência a um imposto sobre o vinho ou o linho, que eram prestações comuns, colocam estes bens como potenciais produtos referidos pela abreviatura. Outras possibilidades são a de tratar-se do pagamento ao cobrador ou uma prestação a fazer-se numa ocasião particular do ano, não parecendo verosímil ser uma prestação de trabalho (corveias).
[*] No "Diccionário de História de Portugal" de Joel Serrão, sob o título Concelhos, o Prof. Doutor Torquato Sousa Soares presta-nos alguns esclarecimentos importantes a este respeito, e entre eles, dividindo os concelhos medievais em dois grandes grupos – urbanos e rurais -, indica-nos que nos segundos a «base económica é um contrato enfitêutico, ou seja o aforamento colectivo de uma parcela de território por vezes menor do que uma paróquia, são geralmente constituídos por pequenos grupos de povoadores, cuja autonomia apenas se vislumbra, nas cartas de povoação, pela referência a um magistrado dotado de poderes jurisdicionais (um juiz local), ou a um simples exactor fiscal (um mordomo), ou mesmo a ambos – magistrados estes que podiam ser eleitos pelos próprios vizinhos». Visto isto não será totalmente desprovido de sentido supor que venha do documento de 1210 a instituição do concelho de Veiros. São de interesse outras passagens do mesmo artigo e do intitulado Enfiteuse, na mesma obra, pelo Prof. Doutor Mário Júlio de Almeida Costa, bem como alguma informação sobre concelhos medievais dada pelo Prof. Doutor Marcello Caetano na sua "História do Direito Português".
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TRADUÇÃO
«A(fonso), pela graça de Deus rei de Portugal e conde da Bolonha, saúda a todos os que virem a presente carta. Ficareis a saber que eu vi a carta do meu avô, o rei D. Sancho, marcada pelo seu sinete, que é esta:
Eu, Sancho, pela graça de Deus rei dos Portugueses, quero ser conhecido por todos aqueles a quem este documento chegar porque o dou como foro aos homens de Veiros para que me dêem a quarta parte de quanto produzirem e um sexto da eirádiga e um sexto dos almudes de trigo e um sexto dos capões e um sexto dos cabritos médios e um terço de mbro (?). E concedo-lhes que nunca façam outro foro nem paguem coima. Esta carta foi feita perto de Santa Maria da Feira em meados de Junho da era de 1248. E ordeno-lhes que recebam o meu pão nas suas eiras.
E eu, supradito A(fonso), pela graça de Deus rei de Portugal e conde da Bolonha, concedo aos referidos homens de Veiros o mesmo foro que o meu avô lhes deu pela supracitada carta. E ordeno ao juiz de Veiros que mantenha os próprios homens de Veiros de acordo com o mesmo foro concedido através da mencionada carta e não facilite que eles retirem daí o que quer que seja. Dado em Figueiredo por V. de Diogo (?) na presença do juiz, no primeiro dia de Agosto da era de 1288.»
(Tradução do Professor João Fidalgo)
In "O Jornal de Estarreja", n.º 4281, 14.1.2005, p. 12, e n.º 4282, 21.1.2005, p. 12
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